A minha mãe rejubilou! Era menos uma preocupação porque me sabia presa praticamente todo o dia. Assim, depois das canseiras da sua labuta, já não teria de andar à cata de mim, e a gritar pelos estendedouros - Mariita! Mariita! Onde é que tu andas?
Como era próprio dos dias importantes, vesti o vestido dos domingos, de soquetes e sapatos nos pés, laçarotes nas tranças, e munida do material da época: malinha na mão, com a lousa, caderno caneta de aparo, lápis de carvão, lápis de cor e borracha -os livros viriam mais tarde- lá fui eu, toda concha, pela mão da minha mãe, ao encontro do saber!
Lembro-me que estavam algumas mães, e então crianças… não havia míngua delas! Era uma algazarra que só acalmou com a chegada das senhoras professoras.
Ai o respeitinho! Mas não era só isso… parecia que as professoras eram seres de outro planeta. A minha admiração era total. Pela maneira como vestiam, calçavam, caminhavam, falavam. Os cabelos cortados, o baton, as unhas compridas e pintadas as meias…- que mais tarde soube se chamavam de vidro e, um dia, atrevidamente fui apalpar as pernas de uma professora para sentir como eram - quem na aldeia andava assim?
Do alto dos meus 7 anos, já adivinhava um mundo diferente do que se vivia por trás daquelas serras e as professoras eram a prova de que esse mundo existia!
Bom, mas nesse primeiro dia do resto da minha vida, As palavras trocadas entre as mães e as professoras, não terão sido muitas, mas… todas terão feito o mesmo que a minha, isto é: recomendar que me castigasse bem sempre que fosse preciso! Lá dizia ela…só se perdem as que caem no chão!
As senhoras professoras levaram isso bastante a sério! Não faltaram as reguadas e algumas verdascadas, com a vara de marmeleiro. Não terei levado mais, porque, a certa altura, na hora da chamada ao quadro -sempre por causa das malfadadas contas, defeito meu e de muitos mais- deslizava de mansinho o mais que pudesse pela carteira abaixo e elas não me viam… ou fingiam não ver?!
Porém, aprender a ler foi sublime e fantástico!
O livro de leitura com os seus contos e poesias. A história de Portugal povoada de grandes feitos. Admiração, ao saber no livro de ciências que tínhamos a falange, falanginha e falangeta, o cúbito e o rádio! E, a dificuldade na aritmética, foi compensada na geografia; com a descoberta de um território continental, insular, e ultramarino, os distritos, os concelhos, os rios e seus afluentes, caminhos de ferro, portos e aeroportos… tudo isto, contribuía cada vez mais para eu imaginar o “meu mundo”, dentro de um outro mundo, que um dia iria conhecer, tinha a certeza disso!
Nunca fui grande coisa para fixar nomes, por isso, que me perdoem as senhoras professoras, mas, para além dos castigos que a da 1ª. e 2ª. Classe me infligiu -certamente alguns com razão por eu não aprender como ela queria, recordo que tocava muito bem acordeão e foi mestra a ensinar o hino nacional e o hino da mocidade portuguesa, porque era obrigatório na época!
A da 3ª. Classe, é a que recordo com mais saudade, pela ternura e delicadeza com que falava, pelas cantigas que ensinava (cantei-as aos meus filhos e estou a canta-las ao meu neto) os passeios que organizava pelos campos, onde nos ajudava a descobrir as belezas da natureza em que nem sequer reparávamos. Nunca me bateu, e foi com ela que aprendi a gostar mais um bocadinho de resolver problemas e fazer contas. Sem dúvida uma grande mestra!
Da 4ª. Classe, pouco tempo tive para a apreciar, ou ela a mim… mas não gostei da forma como me passou a tratar, quando descobriu que em breve eu iria embora para Africa. Nunca percebi essa embirração, quando ainda por cima, eu, e a minha amiga Lucinda, quais voluntárias empenhadas, todos os dias lhe ajudávamos a levar o bebé, mais sacos, saquetas e livros. Ela morava no Barreiro, porque na altura, a casa junto à escola que era para as professoras, estava a ser arranjada.
Nunca tendo sido directamente meu professor, porque não tenho ideia, de que naquele tempo desse aulas a raparigas, não esqueço o sr. Professor Daniel, pela autoridade e respeito que emanava e, ao entrar na sala de aula por qualquer motivo, nem uma mosca se ouvia!
Recordo, particularmente um dia, em que a nossa professora não estava, e foi ele que assegurou a aula, a meias com a classe dele de rapazes, no outro lado da escola. E, por incrível que pareça, quando ele se ausentava, ninguém saia do lugar, ou se lembrava de fazer alguma patifaria, e éramos talvez umas 60 alunas, de duas classes diferentes!
Sem ser professora, mas que tinha uma pedagogia acertada, recordo a Jutília, que com paciência infinita, procurava por termo às brincadeiras mais violentas, ajudava a limpar as lágrimas, punha água nos joelhos esfolados e dava o mimo que a circunstância requeria.
Um dia, passou a haver cantina, e então lá íamos todos em fila, para o salão paroquial, comer um bom caldo de couves, só estragado pelo sabor horrível do óleo de fígado de bacalhau que éramos obrigados a engolir.
O recreio, da manhã e da tarde, era sem dúvida o momento mais aguardado, para dar asas ao desejo do corpo de libertar energias. Saltar à corda, correr por tudo e nada, esconder a bola aos rapazes, quando ela saltava para o nosso lado, jogar ao botão, às pedrinhas, ao anel, ao sr. barqueiro, à bilharda, ao prego e sei lá que mais…
Nesses momentos de grande alegria e liberdade, éramos verdadeiros bandos de
pardais à solta!
Com a distância que já lá vai, reconheço a extrema importância desta escola e de todos os profissionais que nela deram o seu melhor, na minha formação como ser humano. Sem eles, não saberia o que sei e não seria o que sou!
Maria Lopes da Silva Ribeiro Miranda
11 comentários:
Bem que História!!!
Adorei ler as tuas palavras e sentir aquilo que pertendeste transmitir!!
Relativamente ao meu primeiro dia de aulas nao me lembro!! mas pelo que me contam é que comecei a chorar e só queria era ir para casa com a minha mãe!! EH EH
Que memória mariita! Está muito engraçado.
Que bela descrição.
Estou emocionado.
Parabéns
Maria Ideias
Recordar é viver...
Adorei a descrição...Tal como a Célia não recordo o meu 1 dia de aulas. Será que antes era mais marcante, haveria mais expectativas?
Pois era! Basta pensar que muitas crianças tinham nesse dia o primeiro par de sapatos! Depois, era a ansiedade dos livros, do saber coisas "importantes", de "ter" uma professora...
No vosso tempo, quantos livros já tinham folheado e pares de sapatos rompido?
Eu recordo-me muito bem do meu 1º dia de aulas! Não foi triste, pelo contrário foi muito alegre.
Como os meus irmãos mais velhos já andavam na escola, eu já estava familiarizada com a coisa eheheh
Depois tive também uma pré ambientação nos tempos livres com a Manuela e acho que também já com o Virgilio.
Lembro-me que nesse dia a minha mãe foi deixar-me à escola e levava um casaco preto. Nunca esqueço essa imagem porque naquele dia estranhei aquele casaco, afinal de contas a minha mãe andava sempre com roupas coloridas.
Tal como a mãe da mariita, a minha mão alertou a professora para que se fosse preciso me desse um puxão de orelhas...e levei alguns...pois era muito faladora e muito irrequieta.
Nesse dia foi uma alegria! Foi mais o tempo a brincar do que a aprender!
Contrastando com esta alegria toda, quando entrei na sala senti um arrepio tenebroso (lembro-me como se fosse hoje)...e porquê? porque quando entrei na sala percebi que tinha divido as crianças da 1ª classe. Portanto além de me terem separado de algumas amiguinhas, fiquei na mesma sala que a turma da 4ª classe!
Bemmmmmmmm vocês não queiram imaginar as minhas pernitas a tremer quando percebi que estava na mesma turma que os gigantes: Eduardo, Paulo Roberto, Paulo Ricardo e Filipe...nesse dia tive medo...tive muito medo lol
Mas depois percebi que foi um dos melhores anos da minha passagem pela nossa escola!
Conhecia a "gentileza" dessa maltinha mais velha que todos os dias fazia a professora Cristina subir pelas paredes lol
Na 2ª classe tive a Professora Teresa da qual me lembro pela mini saia e lábios pintados e porque era muito dócil no trato!
Foi com ela que aprendi a tabuada e ganhei uns quantos livrinhos de histórias graças a ter a dita "ladainha" na ponta da língua!
Na 3ª classe tive o professor Beirão...esse guardo para outro dia, porque só dele tenho memórias (quase todas más) que chegam para escrever um livro!!! E não vos quero cansar mais a ler o meu comentário!
Ah e na 4ª classe tive a professora Glória que era muito boa a ensinar matemática!
Da telescola falaremos outro dia...
Olá Mariita.
Realmente verifiquei que não esqueceste um pormenor dessa tua vivência,porque ao ler e reler a tua partilha de sentimentos vividos há muitos anos, recordei os mesmos passos. A professora que tocava acordeon era da Covilhã e chama-se Otília e incutiu em nós o gosto pela música e isso verificou-se na escolha feita por todos os meus amigos e companheiros no festejo dos nossos 50 anos que foram bastante animados. Penso que fomos colegas de escola, eu na 4ª Classe e tu na 3ª.
Também eu gostei muito desse tempo.Fiz amizades que ainda hoje preservo e recordo com alguma nostalgia. Nunca me esqueci de uma maldade que fiz ao atirar uma pedra à minha companheira Piedade, mãe da Serranita e ter-lhe acertado na cabeça. Foi muito difícil para mim, na altura, superar o sucedido. Apesar disso sempre gostei muito dela e da sua família.
O ensino dos nossos tempos nada tem a ver com esta geração, onde a curiosidade de aprender era muito grande. Ainda hoje damos valor aos nossos primeiros anos de escolaridade, eles foram e continuam a ser os alicerces que ajudam a ultrapassar e a resolver muitos dos problemas que nos aparecem na nossa vida. Quando terminava o ensino primário, quem não tinha dinheiro para prosseguir os estudos, começava uma nova etapa; trabalhar no campo, ajudando os pais, até que, já cansados de tais lidas, partiamos à procura de uma vida melhor. Muitas dessa pessoas depois de terem arranjado um emprego retomaram os estudos e hoje têm o curso que desejavam ter. Por tudo, isto, e apesar dos sacrifícios por que fomos passando, temos que nos sentir orgulhosos daquilo que conseguimos construir. Por isso, um muito obrigado a tudo e a todos, que contrubuiram para o que hoje somos.
mariita, parabens e obrigado pela tua partilha. Ganhei agora mais um pouco de ânimo pois já andava a pensar que os temas com muita leitura se tornavam chatos para os visitantes do blog, mas vejo que quando são bem apresentados -como é o caso- são bem aceites.
Quem sabe, este não possa vir até a ser um dos posts mais comentados, porque afinal muitos sobralenses se devem lembrar do seu primeiro dia de escola.
Quanto a mim já disse aqui no blog por várias vezes que o 7 de Outubro de 1967 foi um dos dias mais marcantes da m/vida -Em outubro de 2007 enviei o post- ONDE HÁ ESCOLAS HÁ PRAXES - e nesse mesmo mês enviei as fotos da maquete da NOSSA ESCOLA, que fiz com muito prazer, para recordar os 50 anos da escola e os 40 da m/ 4ª classe.
Também disse(escrevi)noutra altura que chorei muito quando soube que não podia continuar mais dois anos na escola, pois a 6ª classe - que começou em 67/68 - já não se aplicava ao meu caso. pois tinham feito a 4ª em Junho.
Mas logo que pude - e por muitos anos - voltei a sentar-me nos bancos de várias escolas, quase sempre como trabalhador estudante.
Não tenho canudo de curso superiores mas não me faltam "vários diplomas da escola da vida" como a tantos outros Sobralenses que têem tido sucesso nas suas vidas e carreiras profissionais. De toda a maneira orgulho-me muito daquilo que sei e quis aprender
Por fim -que já falei de mais- apenas digo que durante os 3 anos que "andei" com o Prof. Daniel, e que gostei muito -claro- tive que andar sempre na linha porque ele ia todos os dias á loja do Ti Galhetas comprar os cigarros,PORTO, durante a 1ª classe, SPORTING na 2ª, e na 4ª classe já fumava HI-LIFE. NA 3ª CLASSE NÃO SEI OS CIGARROS QUE GASTAVA PORQUE PASSEI O ANO c/ A D.LOURDES ,que veio depois a casar com ele. Era nessa altura que meu pai lhe perguntava como eu me portava nas aulas.
Algumas vezes o Prof. contava-lhe uma mentirinhas e livrava-me duns puxões de orelhas ou dalguma repreensão á frente dos fregueses, o que era humilhante para um garoto de 8,9 ou até 11 anos.
Já o Padre Rey Barata, que era freguês dos cigarros Porto e depois Sagres -não cerveja- não gostava de mentir, quanto ás aulas da catequese. ui ui...
Adeus.
Estou a gostar de muito de vos "ouvir"! O "fio da meada" foi realmente o Vírgilio e, acho que vale a pena recordar e partilhar. Continuem!
Um dia destes, talvez me aventure em mais "retalhos", que "moldaram" o meu ser...
e realmente emocionante lembrar de nossa escola, o professor daniel impunha medo e respeito,um dia desses vou contar algumas lembranças desse quatro anos, apesar dos momentos dificeis sinto saudades parabens pelo teu relato tao detalhado otilia.
O meu primeiro foi como todos positivo e com muita alegria mesmo sendo a minha avo Piedade Araujo a levar-me mas nao foi preciso passar das recomendaçoes aos actos nunca conseguiram dar-me uma varada nem reguada por nao saber.
Professor Daniel Santos da minha segunda ou terceira classe era eu o assistente a segunda feira que chegava um pouco mais tarde do stres familiar do Miguel e da Graça e se calhar o Chico que era o mais pequeno e nao o deixava dormir, era isso ou qualquer coisa da juventude,deu-me um castigo uma vez por nao querer apanhar azeitonas,na minha cabeça quem comia o azeite que apanha-se as ditas,1971 tinha acabado a cantina. Todos os outros profs foi mais ou menos igual mais fraco a Portugues e Matematica com os meus 14,14/20,
um ja falecido o grande professor de Françes Reis Barata,a que eu gosto mais a Maria do "ti" Sacristao pela sua paciençia em nos ensinar,a todos o meu Obrigado
mas castigos por nao saber nem um que isso lembra-me tudo e escrevia um livro com as minhas recordaçoes de Primaria e Telescola so castigos por ser ja Esquerdinho na altura mas escrevo a direita,25 de Abril fui eu que desafiei um grupo e parti as varas todas e as reguas dos castigos,escrevi Liberdade a vermelho na parede do patio,passado um mes havia ordem para tirarmos as fotos do Ditador e queimar uns livros que nao interessavam a nenhum Portugues de
Hoje, fogueira de Liberdade.
Isto tudo sem nunca ser castigado,por pena dos que tinham Sofrido com a Ditadura, so onze anos e ja sabia a terra que pisava.
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