sexta-feira, setembro 07, 2007

Naquele fim de Verão

Todos os anos por aquela altura, logo depois da última festa do ano e a poucos dias do início da escola, eu e os garotos da minha rua e vizinhança começávamos a ficar tão ansiosos e irrequietos, que poucas brincadeiras nos acalmavam. Mal começavamos um jogo e passávamos logo a outro. Era do ferrado para a rilha, da rilha para a bilharda e desta para a cotcha, piou-piou, o saltivão, o jogo das negra ou das nações e outras que inventava esta maltinha de calções.
Do largo do Ti Abrantes, para entrar na ribeira - que corria ao lado num fiozinho de água - bastava dar um saltito de pardal, e eu gostava muito de ir para ali levantar as pedras maiores e admirar as rãzitas que no início do Verão não passavam duns trincaldos.
Numa daquelas tardes douradas e quentes começaram a passar pela minha rua ranchos de moças solteiras carregando á cabeça cestos com enormes pirâmides de uvas negras e douradas, que ao desembocarem no largo, eram por nós "assaltadas" com pedidos :-Dê-me um gatcho! ... Dê-me um gatcho!...
Poucas resistiam ao nosso pedido e as mais gentis até pousavam o cesto nas escaleras que lá estão para que escolhessemos á vontade. Eram obreiras do Ti Reinaldo ou do Ti Morgado , os maiores "produtores" daquela rua que terminava no Cabecinho de baixo.
A vindima durava dias, e á medida que estes passavam íamos ficando fartos de uvas e até de pedir mais. Contávamos que no próximo ano houvese a mesma fartura e que lá estivessemos a pedi-las. Mas morreu essa esperança quando um companheiro mais atrevido e espalha-brasas deitou tudo por água abaixo ao perguntar em tom de escárnio a uma benfeitora : - Atão de que qualidade são estas uvas?- mostrando aqueles bagos rosados de fazer crescer água na boca . A moça na sua inoçência respondeu-lhe que eram dos protectores, e ele imediatamente esborrachou contra a sola das botas a uva que mal lhe cabia na mão, dizendo: - Atão se são protectores praigam-se já aqui ! E dito isto fugiu dali a correr e a rir feito um alarve, deixando a rapariga - que se atrasara , e - que dali se foi a praguejar toda cheia de razão.

Nota: era habitual naquele tempo os sapateiros pregarem umas chapinhas nas solas dos sapatos e botas para que estes não escorregassem e se gastassem menos -chamadas protectores ou protetores?
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4 comentários:

Serranita disse...

Mais uma bela história "à Virgilio". Parabéns!

Anónimo disse...

O rapazito precisava de duas boas "nalgadas" por se revelar tão malandro. Mas... também sem umas asneiritas não há verdadeira infância! Conta mais Virgilio, ok?

PROTECTOR - pequena placa metálica que reveste a sola do calçado; estaca a que se ata ou apoia uma videira ou outra planta.-

De onde virá o nome dado às uvas como sendo "casta protectores"?

PTT disse...

Em http://vila-do-paul.blogspot.com/2007/09/nomeao.html
deixei um "rebolo", para es blog.

Abraço

sobralfilho disse...

Olá, Virgílio Neves

Eis, um bom retrato do quotidiano da tua infância! …
Belos tempos esses das vindimas no Sobral!
Por certo, esse maroto estava farto de uvas do “Protetor” ou não gostava.
Bago muito doce a tombar para o enjoativo e com sabor a melão, eu também não gostava.
O vinho não era muito do agrado dos taberneiros. E eles lá sabiam porquê. Dizia-se que era bom para matar a sede. Não mais. Dizia-se ainda que esta casta “protetor”, também conhecida por “americano” estava proibida pelo Salazar por causa da alta produção das videiras. Certo ou não, havia muita uva dessa no Sobral. E de facto o Ti Reinaldo e Ti (Joaquim) Morgado tinham muitas videiras dessa casta.
- PS. Nessa (tua) rua, uns “anitos” antes matavam-se muitas cabras e chibos, pelas festas do Sobral, e a garotada lá estava: Ó Ti Alfredo, Ó Ti Abrantes dê-nos um baço… Assado e umas pedritas de sal parecia que era um petisco! Seria?...

Um abraço,