16 de Janeiro de 1967- 2ª Feira. As férias do Natal tinham acabado, e eu preparava-me para passar o último Inverno na escola. Nesse dia, ao voltar para casa , e mal acabara de atravessar a ponte, deparei com um grande alarido e um ajuntamento de várias mulheres. Imeditamente fiquei a saber que tinha morrido a tiá Maria José, a velhinha que morava quase em frente ao forno, na casa que veio -muitos anos depois- a ser a sede da Junta de Freguesia .
Era ela que "olhava" pelas fornadas que minha mãe e outras vizinhas ali coziam todos os quinze dias e deixavam que ela organizasse a "volta" e dizer a quem cabia aquecer o forno e por conseguinte contribuir com maior quantidade de joina. A paga que recebia pelo seu trabalho voluntário era -como se pode imaginar- feita em espécie :-o pão. Claro que sendo ela das pessoas mais antigas da terra ,tinha sempre belos "casos da vida" para contar durante as duas longas horas que durava a cozer uma fornada de 40 broas. Isto quando não se punha a rezar umas ladainhas.
Na manhã seguinte , a caminho da escola, minha mãe , carregando um grande molho de giestas secas acompanhou-me até ao forno. Lá achou que devia ir adiantado e lembrou-se de me dizer para ir rezar um padre nosso pela alma da falecida . Assim o fiz, e em menos de nada subi a escadaria que levou ao primeiro andar onde faziam o velório. A sala - com duas janelas de vidros totalmente embaciados - era pouco iluminada e estava cheia de gente silenciosa e ensonada. A luz mortiça e amarelada dos quatro castiçais tornava o ambiente mais abafado, e o cheiro e fumo da cera e do azeite queimado nas muitas candeias também não ajudavam muito.
Dando cumprimento á minha obrigação- um pouco envergonhado -de bata branca e mala da escola á tiracolo atravessei a sala e dirigime aos pés do caixão. Fiz o que sempre vira os mais velhos fazerem e nervosamente peguei no ramo de oliveira de dentro da vazilha de água benta que ali estava e salpiquei umas gotas sobre o cadáver. Não posso dizer se rezei ou não ou sequer mexi os lábios porque só me lembro de ver o coveiro-ti Manel Branco- á roda do caixão a aparafusar as quatro asas onde os homens da irmandade iriam pegar no caixão, dali para a igreja e depois p/ o cemitério.
Daqui para a frente foi tudo muito rápido... eu dirigi-me para a saída , toda a gente se levantou, a irmandade e o sacristão chegou , tamparam o caixão, o padre benzeu e rezou. O soalho seria muito velho e quando os quatro homens pegaram na urna, o peso concentado não aguentou... abagou. Muitos foram parar á loja, um deles e o caixão dentro duma dorna vazia. O padre muito assustado deve ter descido 5 degraus de cada vez porque saiu da sala depois de mim e"chegou" á rua ao mesmo tempo que eu.
terça-feira, janeiro 15, 2008
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9 comentários:
Tenho pena de não escrever tão bem como o Miguel Torga, pois assim teria acrescentado que "o silêncio do velório era tão profundo que se poderia ouvir o respirar dos presentes e o próprio ruído dos bichos roerem as tábuas do chão". E também não teria deixado de mencionar aquela mariposa tonta a rondar a luz das candeias do azeite.
Também ficou por dizer que áquela manhã tristonha sucedeu uma tarde alegre, porque havia pão centeio fresquinho e goleima c/ chouriça. Mas o melhor foi a surpresa do pudim escondido no armário da cozinha... A m/ irmã Ilda festejava os seus 18 anos, e eu lembrei-me que podia também festejar com ela os meus 10 anos e 8 meses.
tens boa memória Vergilio,trouxes-te-me à memória esse acontecimento em que o meu pai dizia: o padre em dois saltos pôse-se à rua
Não fora o trágico da situação ...
Mas ainda bem que não te aconteceu nada, senão quem nos contaria história?
Bem-Haja Virgilio,pela história da vida real que nos conta!
Apesar de na altura não estar por essas bandas, ouvi contar que foi um grande susto para aqueles que cairam junto com a falecida.Na altura o povo protestou e pediu que se fizesse uma casa mortuária, que seria por baixo do piso da igreja. Que eu saiba nada foi feito até hoje,que forças havia e ainda há, que não permitem que tal desejo se realize?
Virgilio,por acaso não é o Miguel Torga que eu também admiro, mas é sempre agradável ler os seus contos, continue e seja feliz que bem merece.
Ahhhhh tá explicado pq é q um dia fui à junta e ao pisar um mosaico q estava mais levantado ele rangeu e alguém me disse: "Vê lá se n vais parar la abaixo c a dona da casa!" Na altura n percebia bem...quem diria q passados tantos anos viria a desmistificar aquele frase!!!
Boa história,Virgilio, meio macabra mas tb faz parte.
A defunta era irmã do meu bisavô e parece que houve pessoas que ainda se magoaram. Por exmplo, a Ti Maria (irmã da minha avó) caiu dentro duma dorna e ficou entalada com uma arca em cima.Imagino os sustos!
É isso mesmo serranita...
só que no velório seguinte, (da tiá TOMÉ )- que morava no início da rua da Ponte-, já escoraram o sobrado com pequenos troncos de pinheiro, e não houve sustos... a próxima estória também será de sustos... falta pouco.
Serranita bons olhos "te leiam"! Qd é q voltas ao continente?
Traz um queijinho da ilha lol
Olá, famel! Devias ter pedido o queijinho mais cedo...Já voltei da terra das vacas, agora ando pela dos touros (Santarém):)
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