No longínquo ano de 1969 - no tempo em que o plástico ainda não tinha invadido as mais recônditas aldeias do nosso Portugal - no tecto da loja do meu pai (Ti Galhetas) podiam ver-se penduradas dezenas de vazilhas de esmalte azul e cor de cinza. De várias capacidades ,ele eram tachos, panelas,cafeteiras, fervedores,alguidares, baldes , bacias, jarros, sertãs,canecas, e até conchas para a sopa. E para fechar a lista também havia um grande sortido de penicos .
Por vezes, quando corria uma pequena corrente de ar, aquela loiça toda começava a balançar de levezinho e se houvesse silêncio na loja, podia ouvir-se um tlim-tlim harmonioso.
Na madrugada de 28 de Fevereiro, pelas 2 horas e 45, dormia eu no andar por cima da loiça, quando despertei dum sonho em que ouvia um estrondo a aproximar-se cada vez mais e me parecia ser familiar: o barulho dos carros de bois descarregados em corrida acelarada pela minha rua abaixo.
O ruído durou o tempo que no sonho me pareceu suficiente para percorrer a rua desde a porta do Ti Alberto Abrantes até ao largo onde acabava a calçada de seixos. Acordei e quis ir á janela certificar-me se o galope tão madrugador seria dos bois do Zé Lima ou do (Guarda-rios) ,mas logo senti o sobrado a tremer e o barulho a parar. O que se ouvia agora eram os gritos dos aflitos(vizinhos incluídos) mas eu deitei-me de novo e por momentos ouvi uma grande sinfonia de tachos e panelas.
Nas notícias do amanhecer já se falava num terramoto com magnitude calculada entre 6,5 e 7,2 graus na escala de Richter . Eu com 13 anos quase feitos era o pastor da casa por isso fui mais cedo para o Casal da Pires ver se o curral das cabras e palheiro teria aguentado o " tremor de terra " . Nem uma lage caíra do telhado , mas a porta do curral estava escancarada e as cabras assustadas aninhavam-se a um canto . Ao verem-me soltaram o berro e vieram uma por uma lamber-me as mãos á procura da côdea habitual.
Á noite, na taberna, só se falou do terramoto e enquanto todos os fregueses se despediam e meu pai se preparava par fechar , contei ao Ti Zé Hermínio que o "estremecer da terra" de tanto esbalourar, soltou a tranca do curral e abriu a porta ás minhas cabras, mas que elas não saíram de lá mesmo tendo á frente uma lezíria semeada de centeio. Pareceu-me que tinha acreditado mas enquanto se preparava para ir embora, disse-me baixinho que esse tal " estremecer da terra" também lhe tinha semeado no Cadaval o resto duma
lezíria de batatas despejando-as nos rêgos e espalhando-lhes a terra por cima. E mais, que o "incinho" de espalhar o esterco que tinha ficado espetado de pé, com tanto que ela tremeu se enterrara pela terra adentro até ficar só com um palmo do cabo de fora.
Assim saimos do Mês de Fevereiro e entramos no mês dos burros, como dizia o Ti Zé.
quinta-feira, fevereiro 28, 2008
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
3 comentários:
Muito bem Virgilio estou a ver que não te enfadas de contar histórias.esta está bem arranjada e do ti zé hermínio nunca se esperava outra coisa uma anedota em resposta a outra.não posso contradizer-te pois quando tu tinhas esses anos de idade já eu estava ausente aqui por isso não me recordo desse tremor de terra mas cotinua com as tuas histórias para animar a malta e fomentar a discussão à volta do assunto.A Big hug from this side of the Atlantic ocean and take care
Olá Virgilio.
Mais uma surpresa engraçada que hoje encontrei no blogue narrada por ti. Fartei-me de rir sobretudo com o remate do ti Zé Hermínio que tantas alegrias e mimos nos deu. Era uma delícia tê-lo por perto naquele tempo.Agora vou pregar-te uma partida, já que tu não contas-te tudo.Os bois entram na história antes do tremor de terra já que tu tinhas tido o pessadelo de um acidente sofrido por esses bois dos Lopes, que por descuido dos donos os deixaram fugir e numa correria louca pela rua do vale te pisaram um pé que te deixaram marca.Os gritos da vizinhança eram por ti.
Do barulho da loiça isso não esqueço, porque nos acordou e nos levou a fugir todos para a cama dos pais rezando com eles,pensando que o mundo ia acabar.Foi na realidade um grande susto.
Engraçado foi nesse dia à tarde quando te fui encontrar no casal a contares ao teu amigo Eduardo, já falecido a mesma história das cabras e como ele não acreditava te chamava maluco e tu em resposta lhe chamavas doido.Quando eu cheguei por perto vi que vocês estavam zangados, porque não pararam de repetir as palavras maluco e doido um ao outro.
Fizeram depois as pazes dividindo e comendo a meias a pica com cebola e bacalhau que levei para a tua merenda.
Tal como o ti Zé Herminio, também tu tens um coração grande.
Um beijo.
aprisco p.j. , obrigado pelo incentivo que me dás.É VERDADE QUE AGORA É QUE A GENTE SE COMEÇA A LEMBRAR DA N/ INFÂNCIA UM TANTO DIFÍCIL MAS FELIZ (PENSO EU).
ESTÓRIAS DESTAS , há-de haver mais, cada vez mais de "ralo em ralo" pois parece que os leitores são cada vez menos. Mesmo assim não me enfado como tu dizes.
Um ABRAÇO também para ti.
Enviar um comentário