Acabava o ano de 1933 e também as obras da nova igreja . Na cumeeira das paredes -nascente e poente - os pedreiros ergueram dois grandes ramos de sobreira como paus de fileira ,e o povo - 1234 almas - juntou-se em grande arraial e naquele tarde de Domingo ,consumiu no maior magusto de sempre, muitas arrobas de castanhas e várias cestas de marmelos assados.
Antes de acabar o festim, já lusco-fusco, avizinhando-se a debandada de cada um para sua casa, o presidente da Junta subiu a um balcão, pediu que os adultos se aproximassem , e sem grandes redoeios tratou de lhes dar parte da novidade.
Tinham sido compradas as telhas para a igreja, mas era preciso que o povo do Sobral as fosse buscar á Vide. De seguida desdobrou um papel e leu : "feitas as contas , o número de telhas compradas , a dividir pelo número de casas, dá 8 telhas a cada família". É o que o povo precisa fazer sem demora, que a invernia não tardará. 8 telhas por cada família! Vejam se as não partem pelo caminho porque não foram compradas telhas de sobra.
Já naquele tempo o povo do Sobral era muito unido , e a partir do dia seguinte só se viam formigueiros de gente desde a Cernelha até á Lage com o carrego das 8 telhas á cabeça, ou atadas em molhos e ás costas dos rapazes, se os mais velhos não podiam ir á Vide.
Assim,uns ajudando os outros, á medida que chegavam ao Sobral as telhas iam direitinhas para o telhado de igreja. Mas no fim faltavam ainda cobrir um cantinho-apenas dois metros-e descobriu-se que faltavam 8 telhas . Exactamente um carrego delas... teria alguém se esquecido de as ir buscar ou partiram-se no caminho? Indagou o povo por todo o lado e veio logo a saber-se que uma certa família - que não era nascida no Sobral ,mas sim Detrás-de-Serra - ainda não tinha ido á Vide buscar o seu quinhão . Quis o povo saber dos porquês, mas a razão alegada pela filha do casal de velhotes que morava na casa faltosa, era que não tinham lá o marido, que os pais eram muito velhos e nenhum vizinho a queria ajudar, mas que sabia da sua obrigação e que as telhas lá iriam ter ao telhado...que o povo não se afligisse.
Depois de ouvir tal explicação o povo começou logo a pensar como seria que as telhas viriam parar ao buraco do telhado e mais se interrogavam por ver aquela gente na maior calma no dia a dia. Mais se admiraram as vizinhas quando num Sábado demanhã viram a forasteira vir com um cesto de terra á cabeça, que tinha ido cavar ao Barreiro, lá p'rós lados do cemitério,e
á tarde "bater" á porta dos fornos a perguntar se podia usar o forno depois da última fornada do dia que ela sózinha iria á joina para o aquecer.
Só podia ser artes de bruxaria. Então a mulher ia acender o forno num Sábado á noite? E cozer o quê ? Se não apanhava milho nem centeio, nem a mais pequena courela ela tratava, nem de si, nem á renda?
Ficaram de olho a ver os preparos, e acusando a" infeliz" por cozer até ao Domingo,- um pecado mortal - mas pouco antes da meia -noite saiu do forno com um carrego á cabeça e foi direitinha a casa que ficava porta com porta.
No dia seguinte de madrugada saiu de casa e foi direitinha á Igreja. Levava de braçado embrulhas num xaile preto 8 telhas novinhas, iguais a todas aquelas que já estavam no telhado .
Todos queriam saber que "artes" eram as suas ao que ela muito simplesmente respondeu :-" O meu paizinho trabalhou uma vida inteira na fábrica Cerâmica da Carriça em Coja e fez muitas telhas que vendiam p'rá Vide , por isso ensinou-me, e eu fiz estas 8 no forno do pão. "Só lhe faltam as letras, ó mai são iguaizinhas ás compradas", não são ??? E dito aquilo, foram todos á missa e no dia seguinte acabaram de entelhar a igreja sem as 8 telhas que até hoje devem estar na Vide.
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TRINTA E TRÊS anos depois - em 1966,tinha eu 10 anos - a igreja do Sobral levou obras e um telhado novo... numa tarde de Junho , depois da escola fui voluntariamente ajudar nas obras . Passávamos por um pontão (de troncos de pinheiro ) do cimo da igreja para a rua do Barreiro e o trabalho era a garotada carregar "montinhos" de telhas velhas dali para fora. Parece que dali, as pessoas as levavam para cobrir palheiros e capoeiros... A certa altura carregava eu um braçado de 8 velhas telhas quando me desequilibrei no pontão e deixei cair o carrego que foi parar lá em baixo. Esperava que ninguém me ralhasse pelo prejuizo causado, isto se as telhas se tivessem esmigalhado no chão....mas ficámos todos de boca aberta ao ver as 8 telhas cair inteirinhas do tombo de 6 metros de altura... VÁ LÁ A GENTE EXPLICAR TAIS MISTÉRIOS.
Virgílio P. Neves