Era sem dúvida alguma um belo exemplar da indústria relojoeira Suiça , e tinha-me sido dado como prenda pelo exame da 4ª classe.Todo cromado, em aço inoxidável. anti-choque e á prova d'água. Da marca já não me recordo mas lembro-me dos 17 rubis e que até conseguia ver as horas no escuro.Se lhe desse corda diariamente á hora certa não atrasava sequer um minuto por ano.
Passou mais de 3 anos no meu pulso donde raramente saía e muitas vezes minha mãe me recomendou que não o levasse " para as cabras" - que ainda um dia levava caminho.
O pior aconteceu num dia gelado do inverno de 70/71 . Cheguei a casa muito triste, mas não contei a ninguém que tinha perdido o relógio. Sonhei toda a noite com ele e na manhã seguinte pensava ir procurar "no caminho" que fizera com um molho de rama de ervedeiros que carreguei desde a Barroquinha-Tarrastal até ao curral das cabras no Casal da Pires.Mas no dia seguinte amanheceu tudo coberto por um palmo de neve, e foi impossível qualquer busca. Só passados 3 dias participei o facto e minha mãe não teve melhor lembrança senão encomendar uma reza ás Ceguinhas do Adro. Passei mais uma semana na maior esperança e nada. Por fim, juntámos todos os tostões que pudemos e fui deitá-los no pratinho do altar aos pés de Stº António .
Todos os Domingos do ano , era habitual os crentes depositarem aos pés do Santo queijos e chouriças como paga pelas graças alcançadas -normalmente o ter salvado da morte ou doença ruim qualquer animal doméstico. Passei o resto do inverno com muita pena do meu relógio mas alegrei-me quando no princípio da sementeira fui chamado para a Lisboa.
Passados 3 anos, numas férias que passei no Sobral, aceitei dar uma ajuda a cavar uma lezíria de oliveiras . Andava acompanhado de minha irmã e minha mãe quando de repente apareceu no fundo do corte, um bocado de estume mal apodrecido devido á pouca humidade, e duma "pasta" de carqueija surgiu um belo relógio !!! Nem um pouquinho enferrujado.
Era o relógio que eu tanto tinha procurado para baixo e para cima , para trás e para a frente e ele lá tão perto, perdido dentro do curral. Sem eu dar conta caíu-me do pulso ao carregar para dentro do curral as braçadas do mato.
A minha mãe lembrou-se logo das rezas que fez ... benzeu-se e logo acrescentou :-Ora dá-lhe lá corda a ver s'inda trabalha... Assim fiz ... Aceitou a corda... E o ponteiro grande começou a girar... ia já a completar uma volta quando de repente , parou ...
Mesmo assim , quase deu para gritar:- Milaaaagre.
9 comentários:
E que grande milagre...
Depois destes anos todos fiquei a saber quem me roubou os ervedeiros! (lol)
Esta narrativa é um verdadeiro poema. Pode ser lamechice (eu que nao acredito em milagres)mas emocionou-me. É um texto muito realista, vi um "filme" (daqueles realistas italianos)...lindo...lindo. Obrigado Virgilio e escreve mais "sabores" desses.
Milagre ou não (tenho uma grande "simpatia" pelo Sto António)mais uma bonita "história" do nosso Virgilio. Gostei muito.
Virgílio, acho que está na hora de pensares em editar um livro de "peripécias" da tua vida.
Lá estarei, para o autografo!
Parabéns!
Na, Na, nada não...
Eu é que era o dono dos ervedeiros.
Sobralfilho.tu que também foste meu colega diz lá o que um bom pastor não fazia palo seu rebanho?
Quanto ao crime do roubo dos ervedeiros, acho que já prescreveu há muito tal como o das pernadas d'azinheira que levei do barroco das Rasas...tinhas lá algumas? lolol.
mariita, humberto e serranita obrigado pelo pelo incentivo.
Ei! Virgílio Neves, Sim, tratávamos bem das cabras... e elas depois agradeciam-nos: roubavam-nos os melhores rebentos das videiras, das couves, do milho... O queijo já nos ficava caro!...
No barroco das rasas? havia muitas e ainda lá tenho algumas.
Um abraço
Um relogio suiço c prenda na década de 60???? Bem virgilio podes gabar-te da sorte...
Pois é famel e o Alfredo trouxe mais 2 (de senhora) p'ás manas.
brincamos Ó quê ???
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