terça-feira, julho 20, 2010

As aldeias da Silicose - Última parte

"(...) Em Sobral de S. Miguel são, talvez, cerca de quarenta viúvas que continuarão a interrogar-se. Da mesma forma, foi difícil estabelecer o número aproximado dos homens afectados pela silicose. À volta de cem, na opinião de alguns. Talvez menos, prognosticam outros.

Manuel Vicente acredita que são bastantes. Ele é um dos silicóticos. Aos 51 anos é um homem acabado; mas foi aos 44 que começou o seu drama, quando teve de abandonar o trabalho nas Minas da Panasqueira. Aí começou menino e moço de onze anos, com o salário de quatro escudos e cinquenta centavos por dia. “Quando tive de vir embora, há sete anos, ganhava trinta e três escudos no ofício de escombrador. Oito horas por dia dentro da mina. Até que senti ter o mal dentro de mim e requeri um processo. De início atribuíram-me dez por cento» e, mais tarde, trinta por cento do meu ordenado”. Da Caixa de Previdência o Manuel Vicente recebe 700$00 por mês e 1017$00 semestrais foi a indemnização exigida pelo Tribunal de Trabalho à companhia de seguros. “É isto que tenho para viver. Eu, a mulher e os oito filhos menores. Que faço agora? Nada. Que haveria de fazer se não posso trabalhar? “


A resignação pela ignorância e desleixo

Cerca de uma hora para ouvir, falar e ver o drama dessa gente. Um instante para avaliar da sua dimensão. Tomam-se notas de um ou outro caso pessoal. Mas todos eles querem “dar o nome” e contar a sua vida: “Eu já nem acredito em nada, rnas pode ser que se o nome for para os jornais ainda tenhamos qualquer coisa” - oiço duma voz ansiosa que, a custo se vai chegando para.o grupo que me rodeia. Dar o nome a uma vida em farrapos para receber qualquer coisa, “ talvez... quem sabe? “ leio-lhes nos rostos em grupo junto à porta do salão. Ou dirão -na sua atitude imóvel, quase petrificada: “Afinal, o que viemos cá fazer'?”
Cerca de oito quilómetros separam Sobral de S. Miguel de Casegas, aonde os efeitos da emigração se verificam em meia dúzia de paredes pintadas de pouco tempo , com telha nova. A noite chamou a casa os habitantes do pequeno burgo e as ruas e caminhos ficaram desertos, quase como durante o dia. Alguns, porém, esperam-nos, reunidos no salão da Casa do Povo. Esses, são gente marcada pelo drama da sílicose. Homens e mulheres viúvas. Têm, também, um nome para dar, um caso para contar. São dramas anónimos, desesperados alguns, todos esquecidos. Em Casegas, e por cálculos mais ou menos aproximados, de cerca de dois mil habitantes setenta são doentes profissionais. O número de viúvas da silicose deve situar-se entre vinte e trinta.
Sobral de S. Miguel e Casegas são apenas dois exemplos que citamos para a análise concreta do problema. Porém, a dimensão deste é incontestavelmente mais vasta. No que respeita a localidades e números, outros poderíamos apontar e fá-lo-emos ao longo desta reportagem. Aldeias e lugares, perdidos na serra, como Barroca, S. Martinho, Alqueidão e outros, do concelho do Fundão, que percorremos durante dias e cuja imagem ficou traçada na descrição feita da aldeia de Sobral de S. Miguel. Aliás, a verdadeira extensão do que se pode denominar pelo “mal da mina” ainda não está avaliada. Ás vezes,conformados com os esquecimento a que foram votadas, as próprias vítimas deixam cair os braços impotentes. A ignorância, o medo e o desleixo geram a própria resignação.
Na sua equação mais simples, o problema apresenta-se desta forma. Atingidas, directa ou indirectamente, pela silicose, centenas ou milhares de pessoas suportam uma existência de carências ainda mais agravadas do que anteriormente, sob todos os aspectos. À maior ou menor desvalorização laborativa foram e são atribuídas indemnizações que são na sua totalidade insuficientes."

12 comentários:

Anónimo disse...

Muito obrigada Serranita,

Dos tres postos é um dos mais sensiveis.
Que me deixa revoltado e o coraçâo em pedaços.

Eu sou um dos orfaos da silicose!!!!!
E ja la vâo 60 anos (que nasci).... mas quantos mais como eu nao havera?

Estou convencido que nâo houve... somente 50 ou 100 vùvas no Sobral mas muitas mais!
E, se multiplicamos as crianças (filhos) nesses tempos 7 e 8 por casal, atingimos o nùmero de perto de 1000.

É certo que, independentemente das circunstâcias que nos foi dado viver, cada um de nòs nâo havemos vivido a ausência (o desaparecimento) de um pai como uma tragédia insuportavel.

Emtretanto no meu caso, ainda hoje sinto a ausência desse homem, o meu génitor, que me deu a vida mas que nunca conheci.

Infelizmente, hà casos e casos... hoje em dia sei que existem crianças (e cada vez mais) que nunca vâo conhecer o seu genitor.

Para esses, desejo-lhes uma grande compreençâo e força de caracter para viverem uma vida deslumbrante.

Amen!!!!

PS. Serranita quando encontrares outros artigos, ou mensagens a transmitir deste género, teras sempre em mim um fiel leitor.

Mais uma vez... muito obrigada.

Mariita disse...

Obrigada à Serranita pela transcrição de tão importante reportagem, que nos deu, sem dúvida, um conhecimento ainda maior, da vida tremendamente difícil e dolorosa que as Minas deram a inúmeras famílias.
Em simbólica homenagem, talvez pudesse existir no Sobral alguma referência a estes homens que tão prematuramente partiram...

Anónimo disse...

Curiosa a arrumação das gentes nesta fotografia: homens, mulheres e crianças, sem confusão, como na igreja e até em casa. Todavia, ainda havia gente na nossa aldeia, porém, nos princípios da década de setenta, muitos já tinham partido para o estrangeiro e, por decorrer o mês de Abril, não havia estudantes na terra. Como sempre acontece, em Portugal, esta reportagem vinha atrasada duas décadas. A força da mina já tinha terminado e o efeito positivo que tal reportagem podia ter tido agora era nenhum.

Serranita disse...

Anónimo 1, obrigada pelas palavras simpáticas e de história de vida.

Anónimo 2, de facto na época a força da mina já tinha terminado, mas faziam-se sentir as consequências do trabalho nas décadas anteriores.Não se ia nessa fase apostar na preveção da doença, mas em minimizar os prejuízos. E para isso os doentes e suas famílias procuravam receber alguma compensação. Se a reportagem terá ajudado em alguma coisa? Acredito que não!

Serranita disse...

Ah, e pra mariita, um beijinho!:)

Anónimo disse...

Sinceramente, tendo em conta o significado relevante, para a freguesia do Sobral, que tiveram as Minsa da Panasqueira e a sua relevância para pelo menos duas gerações, o anónimo que quero ser esperava mais comentários. Todavia, a falta deles é mesmo uma consequência. Quase todos os que sofreram já faleceram e os outros ficam na superfície das coisas.

António Lopes disse...

Para ver se não desiludo, vai o meu polémico comentário:
Muito do que sou, na vida,tem a ver com esta triste realidade.O meu pai, morreu praticamente sem pulmões, e esteve 79 meses internado(por várias vezes), devido a esta terrífica doença.Logo que comecei a tomar consciência, lutei árduamente, pela reparação das consequências desta doença. Em 25 de Abril, meu pai tinha uma reforma de 45$00 mês.Todos sabem o que fiz eu e os meus irmãos e não só,relembro o Abel e o José Lopes, que comigo lutaram pela alteração destas e de outras tristes realidades.Com mágoa tenho que o dizer que por duas vezes fui menos compreendido(vamos dizer assim), no Sobral, no desenvolvimento desta e de outras lutas.Aliás, a única terra das chamadas terras mineiras, onde me aconteceu. Conhecendo razoavelmente o Sobral(ou talvez não), tendo presente esta realidade da silicose e não só, não raro me interrogo: porquê, como é possível? Por aqui, em minha opinião, compromete-se muito, a liberdade, a troco da segurança, que afinal nunca tivemos. Não será por acaso que somos uma terra de (muitos) emigrantes..!

António Lopes

Anónimo disse...

Começamos a aproximar-nos da realidade com a colaboração do António Lopes. Os testemunhos mais antigos são difíceis ou impossíveis. O sistema esmagava as gentes. Por sistema, entendo não só o aparelho de Estado, particularmente as suas polícias, como a multinacional por ele protegida ou que se lhe impunha, e ainda alguns padres que controlavam as mentes e as conciências ou a falta delas. Só um anónimo, como eu, hoje, tem coragem de dizer que não era por acaso que o mais reconhecido pregador da diocese aqui aterrorizou as gentes com a excomunhão e as labaredas do inferno. Não vale a pena agora acusar ninguém por não ter lutado pelas melhores condições de trabalho possível naqueles tempos de tanta limitação. Afinal, o ser humano, na luta pela sobrevivência, por vezes, não consegue ulrapassar o nível mais baixo da animalidade e só os génios conseguem ver ao longe e à distância. Para os sobralenses, até a emigração era difícil, particularmente para os que ficavam analfabetos sem elos no planeta. Ainda há testemunhos dos que primeiro tentaram emigrar para o Brasil e de lá voltaram sem capacidade de adaptação.

António Lopes disse...

Nas minas, até pelo grande número de pessoas que ali trabalhavam, de quando em vez, as coisas aqueciam.Em 1927, chegaram a estar dois regimentos militares, lá, para controlar uma espécie de greve.Ao tempo, só depois de se trabalhar sete meses é que se recebia o 1º.6 meses ficavam para render juro ao director.(inglês).Quando o coronel mais antigo que comandava as tropas, perguntou ao José Maria de S.Jorge, que era o lider, porque é que estavam em greve,ele respondeu que era por causa dos sete meses sem receber.O coronel nem queria acreditar.Chegou junto do director e disse-lhe:"Eu vou-me já embora.Isto que o senhor está a fazer é escravatura".O director, atrapalhado, pediu tempo para ir levantar o dinheiro e pagar os 6 meses atrasados.A greve do carvoreto, por volta de 40 deu prisões e a morte pouco depois de sair da Pide, do Matias, também de S.Jorge. O que me choca são as memórias, ou a falta dela a que assisto hoje.Em pleno século XXI, assiste-se a uma recessão,de direitos que é contra natura e impensável em termos de progrsso da humanidade.

Anónimo disse...

Diz bem, caro António, o problema é a falta de memória. A civilização humana progride nos factos civilizacionais de índole técnica porque estes se tornam mprescindíveis pelas vantagens imediatas que trazem: o automóvel substituiu o cavalo e o tractor o carro de bois, a mula e o burro. Porém, os factos verdadeiramente humanos pouco progridem: aqui, estamos na Idade do Ferro: a dominação, a exploração, a falta de capacidade de partilha, de amar, dar, ser solidário sem recompensa. Hoje poucos lembram os que morreram nas minas ou nas lutas contra a exploração de que todos eram vítimas. A minha homenagem para eles e para si, caro António Lopes, que nelas colaborou e tem demonstrado a mais séria peocupação pelo progresso nos aspectos em que ele é mais decisivo: os verdadeiramente humanos.

Serranita disse...

Tenho pena que haja muita gente que já não volte aos comentários dos "posts" antigos e assim se percam novos desenvolvimentos pegando nas palavras e experiências uns dos outros. Obrigada anónimo, obrigada António Lopes.

António Lopes disse...

Serranita: Eu até sou danado para "armar a confusão".Há uma coisa que me intriga, na nossa "rapaziada".De vez em quando parece que bloqueia.Fico com a sensação que não gosta de entrar em certos debates.Antes do 25, dizia-se que pior que a censura era a auto censura.Tenho a sensação que muita gente não quer expor as suas opiniões com medo de consequências.Além do mais, todos se conhecem.Aqui há uns tempos dei por aí uma volta, na politiquice.No outro dia todo o Concelho sabia que tinha estado no Sobral.O que me vale é já ser conhecido pelo meu mau feitio, há cerca de 32 anos.Como digo:se quando era mineiro ganhava de dia para comer à noite dizia o que me dava na gana, é agora que fico calado? Benjamin Franklin,um dos pais da independência da América dizia:"Quem troca a liberdade pela segurança,acaba por perder as duas".Tenho várias experiências que assim é.Não me lembro de ter perdido muito por ser assim.Sendo certo que a liberdade não tem preço.O que perdi em bens materiais ganhei em satisfação de dever cumprido e o estar bem comigo próprio. Ainda não nos libertámos completamente dos medos do antigamente.Dizem que leva cem anos.
António Lopes