domingo, agosto 20, 2006

LENDAS DO SOBRAL

No dia 1 de Agosto de 1975 , (em pleno verão - político - quente, na Mina está sempre 17º C) a um ano de ir á inspecção militar e por esse motivo com muita dificuldade em arranjar emprego, fui com os meus diplomas do 9º ano e de Desenhador da construcção civil numa mão e com a outra bati á porta do escritório das Minas da Panasqueira á procura de trabalho.
De manhã disseram-me que não; que voltasse depois da tropa feita, mas eu voltei á tarde e aí , sim senhor temos trabalho para si porque o seu pai - Alfredo Simão das Neves - andou cá 24 anos, só que tem de ir para a Mina porque no escritório não há vaga.
Depois dos exames médicos da praxe, entrei na Mina por alturas da festa de SANTA BÁRBARA que durante aqueles 9 meses me protegeu como se andasse no ventre de minha mãe. Fiz questão de escolher a ocupação mais perigosa - marteleiro - e foi assim que logo no 1º dia de trabalho descobri ao aprender o nome das ferramentas e ao ouvir falar em galheto-espécie de almotolia com o óleo que lubrifica as peças do martelo pneumático de perfuração - de onde vinha a alcunha que os colegas tinham dado ao meu pai 40 anos antes por ele ter chamado por distração "galhetas" ao galheto . Ficou galhetas até morrer.
Histórias da Mina e de mineiros há muitas, algumas ligadas ao caminho que os nossos pais, avós e demais familiares percorriam para lá chegar, mas hoje quero apenas falar desta que se contava quando eu andava na catequese, e que me parecia mais real talvez por eu conhecer em pormenor todo o local onde a acção de desenrolou.
O Ti Zé Alegria saiu um dia ás 11 horas da noite da Mina e como tinha que ir a casa meteu-se a caminho do Sobral sozinho como tantas vezes outros já o tinham feito. Mal se meteu ao caminho começou uma trovoada que cada vez engrossava mais e os relâmpagos eram tais que lhe iluminavam a vereda, mas de repente já por volta da meia-noite quando chegou ao entrocamento dos caminhos do Porcim e da Cernada, a tempestade parou e uma lua cheia gigante surgiu do lado do Souto Negro inundando de luz todos aqueles pinhais. O vento rugiu forte pela última vez fazendo balançar os altos eucaliptos que ainda hoje lá estão. De seguida ouve um silêncio de cemitério e o Ti Zé Alegria ouviu um ramalhar de galhos a quebrar á beira do caminho e qual não foi o seu espanto quando veio ao seu encontro um mansinho cabrito preto com o pelo completamente seco e já com os cornitos a despontar no alto da cabeça. Deitou-lhe logo as mãos, pô-lo ás cavalitas e começou a descer a ladeira para a ponte da Foz Giesteita direitinho a casa todo contente. Lomba Fundeira, Lomba do Meio, Lomba Cimeira e o cabritinho sempre a dormir encavalitado no pescoço do Ti Zé que acabava de chegar á Portela, sempre a pensar como é que os colegas o iriam acreditar.
Mal entraram no recinto da Capela e viram o cruzeiro que há poucos anos lá tinham feito, o cabrito deu uma grande mijadela no pescoço do homem, soltou um berro e escapou-lhe das mãos com um grande salto. Sumiu no meio do pinhal e voltou a aparacer já fora das vistas da cruz transformado num enorme bode barbudo e chifrudo e disse:
- O que te livrou de ires hoje comigo pró inferno foram essas bugalhitas que levas aí no bolso da camursa. Quando passou atrás da igreja o sino da torre bateu a uma hora da manhã e quando bateu pela segunda vez já o Ti Zé Alegria metia a chave ao buraco da fechadura da sua casinha.
Lembro-me bem que muitas vezes o encontrei a caminho de Carvalho e sempre que lhe pedia detalhes da história, ele ria-se e não mentia nem desmentia mas sempre mostrava as tais bugalhitas, que não passavam das contas dum terço que ele carregava consigo.

8 comentários:

Anónimo disse...

As lendas… e as lêndeas.
Naquele tempo, gostava, enquanto me catavam as lêndeas, de ouvir contos de encantar e as lendas à volta da Mourama que terá andado pelas terras do Sobral. A minha memória, sem CD’S, não gravou tudo o que seria desejável.
Lembro-me vagamente do conto do “Barba Azul” contado pelo meu avô, nos longos serões de Inverno, enquanto se esperava pelo “champorreão” que suavizaria as gargantas. No conto, um Senhoraço seduzia as solteironas e viúvas ricas que depois assassinava para lhes ficar com a fortuna.
Anos mais tarde, anos 80/90, causou-me surpresa um documentário filmado (penso que Francês ou alemão) sobre o Barba Azul, retrato fiel do que o meu avô me contava. E de seguida, tive conhecimento que a história tem sido reescrita através dos tempos desde 1650 e que foi levada ao cinema em 1947 pelo conhecido Charlie Chaplin.

E foi pela mão de meu avô que entrei (6/7 anos) pela 1ª. vez na taberna do Ti-Galhetas.

Anónimo disse...

Bem voltado, Virgilio!Bela estória!
Tb me lembro de a ouvir, e de ficar na dúvida se seria verdadeira, mas se o interveniente não confirmava nem desmentia, e ainda por cima se ria, possivelmente não deve ter apanhado assim um susto tão grande!:-)
Creio que será uma lição de que nos devemos apegar a "algo", de modo a protegermo-nos do Mal.
Gostei de saber tb de onde vêm as "galhetas"!:-)

finadamina disse...

Virgílio, bom regresso. Que as férias te tenham retemperado as forças.

Isto é engraçado, essa história mais coisa menos coisa também era contada em São Jorge.

TONHO disse...

Gostei.Foste mineiro, mas és também um bom contador de "estórias".

Anónimo disse...

Parabens
e a primeira vez que escrevo o nome da minha terra na internet e vejam o que encontrei um espetacular blog mais uma vez parabens e um grande abraco do luxemburgo ate breve

Anónimo disse...

Olá, anónimo Luxemburguês,
Participa. Mas, sem medo, escolhe um nome.
Cumprimentos

Anónimo disse...

.. que saudades que tenho de ouvir estas histórias.... e esta em especial tb me foi contada muitas vezes....sabem é q o meu avô (ti Zé Hermínio) foi o melhor contador de "estórias" que eu conheci....

QQ dia deixo aqui algumas delas...

Anónimo disse...

Olá, Sarilha
Fico à espera dessas histórias do teu avô. Se eu fosse uma força-viva deste blog e ele teria tido já um post. O ti Zé Hermínio merece. Homem de teatro: artista comediante, encenador, contador de historias e fabricante de anedotas, no momento, dada a sua veia repentina.
Ele levou o povo do Sobral a gostar/amar o teatro. O Salão Paroquial enchia-se para o ver actuar e aos seus parceiros (Ti Manuel Paiva e penso que tb o Ti Chico Paiva). E, ainda, poeta popular que podia ter ombreado com António Aleixo se não tivesse nascido no Cadaval e se não tivesse aprendido a ler sozinho. E no Carnaval, quando se fazia passear pelas Ruas com uma mesa posta, garfo, pão e um penico com um líquido que parecia urina (vinho branco, mas ao principio ninguém sabia), bocados de chouriça, morcela e farinheira (esta um pouco desfeita) e convidando o pessoal a provar. É óbvio que a muitos de nós tínhamos vómitos e depois… uma sonora gargalhada.
Foi um diamante bruto que nunca foi lapidado.