sábado, maio 17, 2008

Continuação da homenagem ao mês de Maio, de Maria e das Mães...


Do outro lado da ribeira chegava até ao largo o perfume da terra acabada de lavrar e do feno fresco que os bois -agora libertos da canga e da labuta que durara toda a tarde-comiam a um canto do Chão. As vizinhas tinham falado de tudo um pouco e de repente talvez por se aproximar o fim do dia deixaram de conversar e parecia terem entrado em meditação quando do sino veio o toque das Avê-Marias. Foi durante esse silêncio que mais se notou o cacarejar das galinhas que por ali rondaram todo o dia .



Tudo se teria passado como nos demais dias - em que era habitual juntarem-se no largo muitas galinhas para esgravatarem a terra - se não se tivesse ouvido ali próximo o cacarejar baixinho entre um galo e uma galinha.



Entre uma e outra bicada no chão trocavam impressões sobre como o mundo estava mudado. O galo, porém, fez questão de frisar que sempre vivera bem, tivera sempre as galinhas que quis na sua vida e agora,velho e cansado, esperava calmamente o fim dos seus dias.



Ainda bem que estas satisfeito - disse a galinha. - E tens razões para isso porque és galo. Mas eu, galinha,fêmea da espécie, posso estar contente com a vida? Não posso.Todo os dias do ano, pôr ovos,-ai de mim que falhe um dia! Todos os anos chocar ninhadas d'ovos - ficar debaixo duma bacia no escuro dias e dias, crias os pintos, isto para não falar nas vezes que me mergulham na água fria para atrasar o chôco. E quando a trovoada me mata os pitos a faltarem poucos dias p'ra nascerem ,como aconteceu agora? Isto é vida ? Mas agora isto vai mudar, ai vai vai. Podes estar certo que vou levar uma vida de galo e de regalo, livre e feliz. NUNCA MAIS VOU PÔR NEM SEQUER CHOCAR MAIS UM OVO. A minha dona se quiser que arranje outras que o façam, tem p'raí muita franga. comigo acabou-se...



O velho galo ia começar a dizer-lhe que não eram assim as coisas, que não arranjasse lenha p'ra se queimar! Que tivesse calma, pensasse bem. que galo é galo e galinha é galinha e que cada um tem o seu papel na capoeira, quando uma das Marias se virou para uma das vizinha e lhe pediu :-"agarra-me lá essa galinha e torce-lhe o pescoço". Tenho que ir preparar com ela um bom caldo para comer nos próximos dias, porque me parece que vou ser mãe esta noite.



E assim foi, menos de 12 horas depois lá estava eu - o décimo filho-nos braços da Tiá Maria Pinta.



Já se passaram 52 anos, e parece que a partir desse dia as galinhas do Sobral nunca mais falaram.

11 comentários:

famel disse...

Virgilio essa galinha devia mesmo ser muito especial. Os caldos que dela fizeram para a minha avózinha, deviam ter um concentrado vitaminico unico...porque só assim consigo arranjar explicação para tamanha imaginação :)

Anónimo disse...

Virgílio, fizeste-me retroceder no tempo... adorei a "fábula"!
Muito parabéns pelo aniversário e continua a
deliciar-nos com essa imaginação prodigiosa.

Serranita disse...

lol Virgilio. Adorei!
Essa imagem com que ilustras a história, é obra tua?

Anónimo disse...

Parabéns pela história e pelo aniversário. Espero que tenhas muitos netinhos, para se deliciarem como nós, com tua imaginação.

Anónimo disse...

olá Gil,
Bem-hajas pela fábula e pelas lembranças felizes da tua infância que nos contas. Eram realmente importantes as galinhas que quase sempre, faziam parte da a 1ª refeição a seguir ao parto de todas as mães do Sobral que davam à luz.
O desenho também me fez recuar no tempo.Curiosa ao vê-lo, perguntei na altura se os bidons junto ao tronco eram de resina e tu respondeste-me um pouco zangado,se não sabia que o Pai não vendia resina mas sim petróleo para os candeeiros.
Em relação ao outro post acho que a Teresa tem razão. Para ser galinha tem o corpo muito avantajado, assim como uma grande crista. Deve realmente ser um galo.
A todas as mães do Sobral as minhas felicitações,para a nossa mãe um grande adeus que não tem fim............

Anónimo disse...

Obrigado Mães e futuras Mães- SENHORAS E MENINAS pelo ânimo que me dais, a galinha teve esse fim e o galo ainda durou 7 anos, até que uma patrulha (um gordo e um magro)da GNR do Paúl numa rusga pelas ruas do Sobral, o agarrou já velhinho.( porque era proíbido trazer as galinhas á solta). as galinhas fugiram todas e o coitado deixou-se agarrar. Como ninguém se acusava de ser o dono e pagar a multa de 25 tostões (1 cêntimo), levaram-no para o posto e deve ter sido assado...
Mariita espero que a inspiração não falte, em breve virá outro.ESPERO TERESANÍBAL QUE OS MEUS NETOS- assim como os teus- TAMBÉM GOSTEM BEM DO SOBRAL. Á Serranita digo que os desenhos são meus sim mas com a ajuda duns copianços.
Mina e famel parece que uma galinha para cada filho era pouco, A receita eram três.

Anónimo disse...

Devia ser dos poucos mimos - a canjinha - que as mães daquele tempo tinham. GRANDES MULHERES!
Por isso, se fossem três galinhas ou quatro, ainda não eram demais para aquilo que passavam.

famel disse...

1 cêntimo de multa por ter uma galinha na rua???!!! Realmente ele ha coisas...

Anónimo disse...

Um centimo agora, mas inda sou do tempoem que um papo-seco custava 2tostões. E falando das mães, quando eu nasci, o meu Pai estava com dor de dentes na varanda,e a minha mãe disse-lhe: - Anibal, vai chamar a tua irmã Amélia!
Responde o meu Pai: - Ainda agora começaste a gaiar-te, há-de tardar...E nesse instante ouve-se chorar.Há-de tardar, ou ela já está aqui no meio do chão...Disse a minha MÃE. Foi assim que eu vim ao mundo... Lembro-me tão bem como se fosse hoje....!

Anónimo disse...

ORA AÍ TENS UMA BOA RESPOSTA FAMEL, 1 centimo de hoje eram 2$00 (escudos) naquele tempo...em que as mulheres do Sobral ganhavam a cavar 20$00 /dia e os homens 40. hihihihi.
A multa era pequena porque os pitos e galinhas eram á farta.
rara era a casa que não tinha uma capoeira recheada e que não criasse -e matasse- 2 porcos por ano .

Teresaníbal,atão non dais-te munta lida á tó mãe pamorde nasceres. já a minha dezia qué fui u que lhe dé mai trabalho. era munto borretchudo.

Anónimo disse...

E depois das matanças os torresmos...e aqueles ossos do espinhaço, no caldo de cabeiças de nabo, salgados p'ra spervitar, e as fatias de carne gorda fritas na certã atai fcarim sturrequedas...
Vergiliú, só m'aleimbras pecados squecidos.